sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

"Sambateado" marca presença no Anhembi

SÃO PAULO - Pensar em juntar duas danças de culturas tão diferentes, como o samba - originalmente brasileiro - e o sapateado, de berço norte-americano, a primeira vista pode até soar de forma estranha.
Mas, a sapateadora e coreógrafa Christiane Matallo, pelo terceiro ano consecutivo, inova na performance e mostra que é possível unir pandeiro, tamborim, surdo, cuíca, entre outros instrumentos da bateria da Escola de Samba Mocidade Alegre, aos "toc-toc" sincronizados dos sapatos com placas de metal e, a partir daí, desenvolver o 'sambateado'.
A bailarina, que iniciou no sapateado aos seis anos de idade, e afirma que sempre teve a "vida embriagada com muita arte", conta como se inseriu no contexto carnavalesco, e o que pretende com seu trabalho dentro da comunidade.
Christiane, que também é conhecida como a única artista mulher, no mundo, que sapateia e toca sax tenor, simultaneamente, diz acreditar que a dança e a música são uma única coisa. "É o corpo que faz o som, o sapateado não deixa de ser música, tocada por meio dos pés", afirma.
A sapateadora diz que, como recurso para popularizar sua dança, obra que afirma ser sua função, usa todos os elementos da cultura brasileira, para que a arte seja praticada por qualquer pessoa que queira aprender. "Nossa riqueza musical é grande. É legal sapatear frevo, maracatu, bossa nova, entre outras. Quero dividir, com outras pessoas, meu amor pelo sapateado", conclui.
Formiguinha
Apesar da paixão que Christiane sente pelo sapateado, ela conta que, no Brasil, a disseminação desta dança ainda é um trabalho árduo, o que, ao mesmo tempo, inspira a artista a realizar ações voltadas à popularização da prática, entre elas, a implantação do sapateado no carnaval, que é a principal festa cultural do País.
"Não temos muito espaço. Apesar de realizarmos várias ações interessantes, muitas vezes elas não atingem a população, que é o foco da nossa obra", afirma.
Outro ponto que a coreógrafa levanta como impasse para a disseminação da cultura desta dança, é o preconceito por falta de conhecimento. "O sapateado pode estar relacionado a uma série de fatores, como som, dinâmica, bandas musicais, entre outros. É preciso que o espectador entenda o que o artista está apresentando no espetáculo", diz.
Para Christiane, o sapateado é uma filosofia de vida, que precisa ser implantada no País. "É um trabalho de formiguinha. Mas, quando a pessoa aprende a dançar, mostra seu estilo, e conta sua história de vida", explica.
Ideal
Inspirada pelos projetos sociais realizados pela Escola de Samba Mocidade Alegre, a coreógrafa, que antes trabalhava como jurada do carnaval de São Paulo, decidiu levar um pouco da sua arte para as pessoas da comunidade. Mas afirma que não foi tarefa fácil. "Precisei conquistar o meu espaço e romper paradigmas, mas queria estar lá e participar", conta a bailarina que se transformou na fundadora da primeira ala de sapateado no carnaval brasileiro.
Desfiles
Desde de 2008, Christiane Matallo apresenta a mistura de estilos dançantes e garante que existe total relação com a malemolência. Ela explica que, ritmo, pulso e emoção do samba têm forte relação com as características do sapateado.
Mas, nem tudo é só festejo. A bailarina conta que, apesar das semelhanças existentes nos ritmos, precisa ter dedicação para levar um espetáculo à avenida, e ter um bom resultado.
Para ela, criar uma coreografia emociona, mas também exige muita responsabilidade, pois cada integrante está inserido em um contexto, no qual todos estão unidos por único resultado. "Se houver uma falha na minha ala, posso trazer consequências ruins para a escola", explica.
De acordo com a coreógrafa, para seu trabalho, de difusão do sapateado, é uma grande experiência, pois levar a dança para o Sambódromo exige um estudo diferente das dimensões dos palcos nos quais a dança é praticada.
O estudo da coreografia precisa ser focado na grandiosidade do evento, para se ter uma ampla exibição e invadir a avenida. "No carnaval, captamos todas as energias das pessoas. É preciso deixar a emoção um pouco de lado para não influenciar no trabalho. É difícil", afirma Christiane.
Outra atenção da coreógrafa, para que tudo fique em perfeita harmonia no desfile, é com os componentes da sua ala.
A bailarina explica que exige muito do seu grupo, e cada pessoa precisa ter muita resistência e condicionamento físico para cantar e desenvolver coreografia específica, sempre com muita alegria, de forma popular e literal para que o público possa entender o que sua dança está comunicando. "É preciso trabalhar inteiramente com o corpo. E inserir a linguagem do sapateado no carnaval", explica.
Carnaval 2010
Christiane inova mais uma vez na performance e, neste ano, apresentará no desfile, além do 'sambateado', o sapateado com as mãos.
Com uma coreografia envolvida no samba enredo da escola - Da criação do Universo ao sonho eterno do Criador... eu sou espelho e me espelho em quem me criou -, a sapateadora ensaia a ala, dirigida por ela, sob o tema "Seres Encantandos".
Com o propósito de remeter a um espelho, nas palmas da mãos, que simbolizará o passado e futuro, uma equipe de 18 sapateadores e bailarinos profissionais usarão placas de alumínio iguais as utilizadas nos sapatos especiais para a dança.
O sapateado acontecerá, simultaneamente, com os pés e as mãos, e criará um diálogo na sonoridade. "Como o samba fala sobre o espelho de cada pessoa, as placas prateadas funcionarão como pontos de luz e o reflexo interior de cada indivíduo", explica.
Para usar a linguagem do sapateado, introduzido na cultura brasileira, a coreógrafa apresentará os elementos irish - sapateado irlandês - unido à dança dos orixás, com destaque aos movimentos de Xangô, pela força, e de Oxum, pela vaidade.
A ala percorrerá o Sambódromo em formato de estrela e poderá ser ouvida pelo público em cada espaço que grupo parar. "A avenida é concreto, o som fica agudo. As pessoas escutarão, nitidamente, a toada do sapateado", explica Christiane.
Para tornar o desfile ainda mais mágico, a fantasia que representará os seres encantados da natureza e dos contos de fábulas será totalmente bordada com flores, folhas e muito brilho. O destaque da fantasia estará no sapato próprio para a dança, que será pintado de cor-de-rosa e terá como acessório meias listradas de verde e amarelo com detalhes em azul.
O trabalho de Christiane, na divulgação do sapateado não pára por aí. Desde de 2005, a artista promove, por meio de seu estúdio de dança, o evento Sapateia São Paulo, no Parque do Ibirapuera, que tem como foco comemorar o Dia Internacional do Sapateado, 25 de maio, e popularizar a dança dentro da sociedade.

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