Escolher a profissão certa, acreditar no que trabalha e se dedicar ao que se propõem, são algumas das razões do sucesso da arquiteta e urbanista Fernanda Marques, recentemente premiada com o prêmio “Projeto Mais Sustentável”, promovido pela Casa Cor São Paulo 2010.
Em entrevista ao Shopping News na tarde do último dia 1º de julho, Fernanda nos recebeu com sua beleza e simpatia, em seu “Loft Sustentável”, projeto arquitetado para o evento realizado no Jockey Club de São Paulo.
Formada em 1988 pela Universidade de São Paulo (USP), Fernanda afirma que no início tinha algumas incertezas sobre a profissão, pois em sua família ainda não havia nenhum arquiteto em quem pudesse espelhar-se, o que tornava a realidade um pouco distante de seu dia-a-dia. Mas acrescentou que se encantava em poder trabalhar com espaços.
“Tenho um senso estético apurado”, diz a arquiteta, conhecida por ter um estilo contemporâneo, clean e intimista, e que em 20 anos de carreira coleciona em seu portfólio a conquista de diversos prêmios, como “Espaço D 2002” e “Casa Boa Mesa 2009”, além de fazer parte da administração das empresas Fernanda Marques Arquitetos Associados e a sua nova paixão, o Smart Décor — há mais de um ano no mercado —, ao qual Fernanda define como um novo conceito de democratização da arquitetura e da decoração, com possibilidade oferecer aos projetos menores uma forma mais acessível de aquisição e financiamento por parte de seus clientes.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-NRWdAo2h5hOtzWF3p4P7Eqi6EseX2uk0dg3prqMlI1efdtZ6Ry7Dm2fOJ5bBO30NU6MszxPm6PhrUqwM0vyjBfuJrTywY0Yv87M2td5cUJgVda2MtJtp-mZprTsV28cqHg1DeO8qqLV8/s320/_MG_0695_reduzida.jpg)
A arquiteta, muito preocupada com a aparência de seu projeto exposto, respondeu diversas perguntas sobre sua carreira profissional e falou sobre sua visão do evento Casa Cor e sustentabilidade enquanto, por vezes, atentava a pequenos detalhes, como a banqueta, desarrumada, ou pó sobre a mesa. E se demora a chegar alguém responsável pela tarefa, Fernanda não titubeia: com um sorriso estampado no rosto, entre uma pose e outra para a sessão fotográfica de nosso semanário, ela se põe a executar a tarefa com “a mão na massa”.
“O segredo do sucesso resulta da minha convicção em acreditar no que faço”, diz Fernanda, que para o futuro, entre outros projetos, trabalha na exposição a ser apresentada em 2011 no Museu Brasileiro da Escultura (MuBE), na qual serão mostradas peças desenvolvidas em aço inox, a exemplo da prateleira utilizada em seu espaço. Acompanhe os principais momentos do bate-papo.
Como foi o seu ingresso na arquitetura?
Quando temos idade para fazer escolhas profissionais, tudo é muito incerto, mas me encantava a ideia de poder mexer com espaços. Fui me informar sobre a profissão e ingressei na faculdade, e logo percebi que havia sido uma ótima escolha. Depois disso, nunca me passou pela cabeça fazer alguma mudança.
Muito se fala em qualidade de vida. Qual seria a relação deste tema com a arquitetura e a decoração?
A arquitetura e a decoração interferem muito porque elas estão presentes nas diversas situações de nosso dia a dia: o local onde você mora ou trabalha, se a cidade em que você habita é planejada ou não. Do consultório dentário ao salão de beleza frequentado, enfim, elas revestem nossas atividades, portanto, não há como negá-las.
O projeto de sua residência é assinado por você? Comente a decoração desse imóvel, que, segundo consta, é repleto de obras de arte.
Sim. O projeto da minha casa leva minha assinatura. Tanto a parte de arquitetura quanto a de interiores. Foi um projeto difícil, que segue minha linha contemporânea, em que utilizo materiais naturais, como madeira, mármore, e muita iluminação natural. Muitos traços do que apresento na Casa Cor estão presentes na minha residência e em outros projetos de minha autoria. E isso acontece porque são questões que eu realmente acredito ser importante estarem presentes na elaboração de um bom projeto.
Onde busca inspiração para a concretização de um novo projeto?
A inspiração não vem de algo único: ela é o somatório de informações que se sedimentam em nós através de leituras, de vivências, de viagens, da troca de ideias. Tudo isso se transforma em um projeto. Então não é algo pontual, mas algo que sempre se modifica.
Como aconteceu sua entrada na Casa Cor?
Na época em que concluí meu curso, sonhava em participar daquele grupo de profissionais que participavam da mostra. Quando desenvolvi meu projeto e passei pela avaliação do júri, foi como um atestado que me incluiu naquela gama de grandes nomes da arquitetura. De fato, era a realização de um sonho.
Na sua opinião, qual é o significado da mostra Casa Cor para o setor de arquitetura e decoração?
Trata-se do lugar onde estão os profissionais renomados. É uma vitrine que democratizou a arquitetura e a decoração. Hoje, na mostra, há projetos para todos os gostos: não importa se é para um apartamento de 70 ou de 700 metros, há profissionais para atender a todos. E também o público procura por isso.
Como a mostra interfere na vida dos visitantes e dos profissionais participantes?
É sempre positivo. Como falei, é a vitrine que temos para expor nossos trabalhos e mostrarmos tendências. Onde você não tem um cliente necessariamente, você está ali para mostrar em que acredita de verdade. Ali é você com você.
Nessa vertente da democratização, você criou uma empresa que financia projetos. Como funciona essa empresa?
Trata-se da Smart Décor, com um ano e meio de mercado, que é voltada às pessoas que precisam de um projeto de orçamento menor. Nela, o cliente tem o preço fechado, pois não cobramos o valor do projeto, e o pagamento pode ser parcelado. É também uma forma de contribuir para democratizar ainda mais a arquitetura e torná-la acessível.
Quando participa da Casa Cor, como administra o tempo disponível para seus clientes? Existe uma interrupção de atendimentos?
Não. Nós não podemos parar, e nem quero que pare. A minha empresa é organizada de tal modo que, haja Casa Cor ou não, ou mesmo diante de qualquer imprevisto que aconteça, o escritório funcione perfeitamente. Todos os prazos são cumpridos, pois as equipes são extremamente treinadas, com profissionais gabaritados e competentes. Um projeto nunca interfere no outro.
Seu estilo contemporâneo, clean e minimalista, caiu no gosto do público. Qual é o segredo do sucesso?
Acho que a aceitação vem de minha convicção, do fato de eu acreditar no que faço, da forma como estava fazendo, das premissas que usei. Porque não foi, assim, um amor imediato. Acho que essa arquitetura contemporânea, mais limpa, agrada às pessoas, mas quando comecei a trabalhar não era algo que a maioria das pessoas aceitasse. Mas eu realmente acredito no que faço, e não estou a fim de seguir modismos ou tendências: acho que este é o segredo do sucesso, essa verdade que emana dos projetos.
Qual foi o conceito para a criação do “Loft Sustentável”, montado para a Casa Cor 2010?
A premissa básica foi partir da questão da sustentabilidade. Usar materiais que as pessoas não desconhecem, porém, não sabem que são recicláveis, e não sabem o “lado verde” que esses materiais têm. Procurei reforçar a ideia de que tantos itens estão em nosso cotidiano e que podemos usá-los e aproveitá-los, e de forma diferente pois podem ser reciclados e transformados. Tais materiais, como o aço inoxidável, os vidros e as madeiras de demolição, possuem um enorme apelo ecológico.
Qual é a importância da natureza nos projetos arquitetônicos?
Em meu projeto, por exemplo, mostro que não precisamos ser apenas vizinhos da natureza. Antigamente as casas eram muito fechadas, por vezes ficavam de costas para o seu jardim. Depois passaram por um processo no qual as áreas sociais passaram a ver e valorizar seu jardim como forma de contemplação. No “Loft Sustentável” quero mostrar que não se trata apenas de contemplação, mas de uma simbiose da arquitetura com a área externa.
Você trabalhou com materiais de texturas e temperaturas diferentes como aço inox e madeira. Qual é a proposta desse mix?
Essa mistura de temperaturas e cores quentes com elementos frios é uma das características de meu trabalho. Meus projetos não são repletos de cor, mas são inundados por diversas texturas e tonalidades de luz. Acredito que um bom projeto de iluminação valoriza em demasiado a decoração e a arquitetura com seu jogo de luz e sombra e com os seus efeitos.
E quanto à mistura do rústico com a tecnologia de ponta?
Quando opto por esta mistura, não significa que queira fazer uma volta ao passado. Estou no século XXI, faço uso de tudo o que este momento nos oferece em termos de tecnologia e conforto, mas não abro mão dos vários materiais que podem ser reaproveitados e que conferem elegância ao ambiente.
Por que é tão importante o uso de materiais sustentáveis nos projetos arquitetônicos?
Agridem menos o meio ambiente. Como arquiteta, avalio que é meu dever apresentar materiais que sejam ambientalmente corretos, que possam ser reciclados e que agridam menos o meio ambiente.
Na sua opinião, a preocupação com a sustentabilidade ambiental veio para ficar ou é apenas um modismo que logo acabará?
Acredito que veio para ficar. A diminuição dos recursos energéticos é eminente e temos de buscar soluções. A diminuição dos recursos energéticos disponíveis nos deu um alerta, foi um catalisador para que parássemos para pensar em todas as novas possibilidades, tanto em novas fontes energéticas como em fazer melhor uso dos recursos do planeta. Acredito buscarmos melhorias e aperfeiçoamentos que faz parte.
Qual o significado do recebimento deste prêmio de projeto mais sustentável?
Como eu vim com a intenção de mostrar esta importância, esse reconhecimento não poderia ter sido melhor. Desenvolvemos esse trabalho focado em mostrar ao público como é possível fazer um projeto sustentável sem que ele tenha cara de casinha de madeira ou de algo extremamente rústico, porque uma coisa independe da outra. Com o conjunto formado por tecnologia, materiais recicláveis e uso adequado de iluminação, pode-se chegar a uma decoração bonita, elegante e atual.
Você trabalha em parceria com construtoras. Na sua opinião, este setor aderiu ao conceito da sustentabilidade ou ainda está engatinhando?
Ele começou a aderir. Hoje fazer uma construção 100% sustentável ainda impacta 30% no valor dessa construção, o que é um percentual razoável. Mas no momento em que todos passarem a caminhar nessa direção a gama de produtos ofertados com essa característica será maior, e com isso os preços tenderão a cair. Acredito estarmos no caminho certo.
Seus clientes optam por este conceito ou você ainda precisa sugerir projetos mais sustentáveis para eles?
Eu sugiro e eles têm uma aceitação excelente. Acredito que esse é o meu papel. Eles estão ali para me escutar no que diz respeito a arquitetura e decoração, por isso sugiro. Mas, a maioria dos meus clientes recebe a questão com a maior facilidade porque eles praticam isso de alguma forma em sua vida, seja na reciclagem de lixo ou na economia de água e de luz. Acredito que as pessoas de bem estão conscientizadas.
Ao longo destes 20 anos de profissão, quais os projetos que você destaca?
Ao longo de 20 anos, o número de projetos executados foi enorme. Ainda bem [brinca]. É um portfólio vasto. No final do ano passado lancei um livro que traz uma coletânea dos melhores trabalhos projetados por mim. Na ocasião fui obrigada a fazer uma análise de quais projetos estariam presentes no livro. Até o presente momento, eu tenho neste livro uma série de trabalhos que mais se destacaram nestas duas décadas de dedicação à arquitetura.
E os projetos da Fernanda para o futuro?
Estou trabalhando em uma exposição com estreia prevista para abril de 2011. Vai ser no MuBE (Museu Brasileiro da Escultura), e nela serão apresentadas as diversas formas de utilização do aço inoxidável. Temos vários protótipos prontos para serem aprovados. Um deles é a prateleira presente no projeto da Casa Cor que foi capa de jornais e revistas e cuja aceitação adorei porque percebi que estou no caminho certo. Dentre os outros planos, está retomar minha revista, a “306ºC”, e continuar tocando meus projetos, porque sem sombra de dúvida esta é minha vida.
Quais as dicas para os profissionais que começam a ingressar no mercado da arquitetura?
Invista na carreira, estude, informe-se e pesquise bastante sobre a profissão. Seja perseverante, pois muitas vezes as coisas levam um tempo para acontecer. Acredite no que faz. E principalmente descubra os potenciais daquilo em que acredita.
Fotos: Ricardo Cassin / Divulgação